segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Um dia, escreverei...

Um dia, escreverei sobre mim para contar o que me fizeste sentir, o que me deste, como era eu contigo. No dia seguinte, escreverei sobre ti, sobre a força que tinhas, sobre o que eras e o que significaste para mim. No terceiro dia, escreverei sobre nós e falarei sobre os nossos sorrisos e lágrimas, as nossas partilhas e segredos, a nossa cumplicidade. Depois... Depois calarei tudo isso no mais fundo de mim, fecharei a gaveta do armário, trancarei a porta do arquivo, e arrumar-te-ei lá, no passado. Será o fim de um capítulo. O fim de uma história.
O que partilhámos foi mágico. Uma empatia que só alguns, privilegiados, conseguem vivenciar. Tu leste-me e eu li-te e lemo-nos os dois como quem percebe de criptologia e de segredos ocultos por trás das palavras mais banais, dos gestos mais banais, dos silêncios aparentemente iguais. Vivemos o que tivemos que viver. Sentimos o que tivemos que sentir. Foi único mas finito. Agora não sinto nada. Estou vazia porque te dei demais. Não te culpo. Recebi tanto quanto dei. Mas a nossa relação não era deste mundo. Por isso te deixei ir. Faz o teu caminho que eu farei o meu sabendo que estarás comigo como eu estarei contigo. E com outros seremos felizes. E com outros construiremos vida. Até chegar, finalmente, a nossa vez. Amanhã ou depois. Nesta vida ou numa outra. Não interessa. Somos um do outro muito para além da dualidade corpo/alma. Somos um do outro como entidades que sempre existiram e que sempre existirão ligadas. E essa certeza preencher-nos-á em todos os caminhos que percorreremos.
Um dia, escreverei. Escreverei a par daquilo que a memória me trouxer e o coração sentir. Escreverei com o sorriso nos lábios e as lágrimas retidas nos olhos que só as boas recordações conseguem produzir. Mas hoje não consigo. Hoje olho e não te vejo. Nem como foste, nem como ainda hás-de ser. E não me vejo a mim. E não nos vejo a nós. E não posso escrever sobre o que não vejo.
Mas um dia... Um dia, escreverei...

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Voltei

Voltei.

Não estive ausente por motivos de força maior. Ninguém me morreu, não tive mais trabalho do que o costume, nem fiquei sem internet. Estive doente, é um facto, mas nada que me impedisse a escrita. Foi uma daquelas constipações fulminantes, das muitas que andam por aí.
Estive ausente porque as palavras cansaram-me. Tenho alturas assim. Escrever exige tanto de nós que nos suga a energia. Pelo menos, a minha escrita é assim. Porque vivo cada palavra que escrevo, mesmo que já a tenha vivido antes. Há outras que não vivi mas que as sinto como se tivesse vivido. Porque, para mim, a escrita é um auto-retrato misturado com anseios, desejos, esperanças e medos, nossos e dos outros com quem partilhamos a vida. Acaba sempre por ser uma construção literária.
O que quero dizer com isto é que nem sempre estou tão triste como os meus textos. Nem tão alegre. Se bem que a alegria não me dá para a escrita. Parece que é mais fácil e mais catártico escrever sobre tristeza, sobre desilusão, sobre mágoa. A escrita, para mim, é, sobretudo, catártica. Não, não gosto de chover no molhado, não me faço de vítima, tão pouco sou dada a práticas masoquistas. Só preciso escrever sobre o que me toca, me emociona, me abana, para poder reler e analisar. Deixando os sentimentos com as palavras, quando as volto a ler, consigo colocar-me do lado de fora e tentar encontrar soluções. Pronto, reconheço que nem sempre sou capaz. Não sou infalível. Muito menos ultra-racional, apesar da racionalidade ser dos meus traços mais marcantes. Mas quem me conhece bem sabe que, essa racionalidade, uso-a para contra-balançar o meu lado apaixonado, de emoções fortes. Tenho essa luta eterna de razão vs coração dentro de mim que me faz buscar sempre o equilíbrio. E a escrita é uma forma de o encontrar.
Mas cansa-me. Esvazia-me. Os sentimentos fazem-nos isso. Daí precisar de pausas. Foi o que fiz. E que voltarei a fazer sempre que a minha razão disser ao meu coração para lhe dar uns momentos de descanso. Depois volto. Porque um não vive sem o outro.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ossos

“Nasce o dia. Agora o mar flutua sobre a terra, pois adquiri, de larva para borboleta, de borboleta para crisálida, de crisálida para homem, o poder de colocar o mar onde ele não existe. E o mar, no oceano, não existe nunca.

Olho para ti e vejo o mar que me faltava. E se os meus olhos se alagam, já não é medo nem sequer receio, é apenas por amar o mar. Em ti nado, em ti penetro sem te tocar, de ti saio escorrendo ternura como se fosse esse o esperma da alma. E nada me consegue secar o coração, porque nele plantámos o poder de molhar até ao infinito.

Mas não. Tu falas de andar a regar a planta, e isso só é fértil com água de dois. E eu sequei por falta de ti. Secaram-me as asas, caíram-me alguns membros, o terceiro ventrículo murchou. Estou humano, carente, triste, só.

Vejo asas onde eu quero, mas pouco quero voar. Vejo gente que dorme, mas pouco sono me dá.

A ti, dou-te tudo. Depois fico exausto, porque tudo é muito.

Mas por mais que tente dosear o amor, menos que tudo a nada me sabe, mulher. É uma questão de tempero.

Então, aqui me entrego. Estou quase morto, quase vivo.
Que quem quiser, escolha.”

Manuel Cintra, Abril de 2006

Porque o amor vivido no masculino sempre me fascinou...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Esquecida

Aqui estou, esquecida. Trocada por novos prazeres, novas piadas, novo sangue e sangue novo. Nova cama. Novo corpo e corpo novo. Não páro de me perguntar onde errei. O que foi que fiz? Dei de mais ou de menos? Mostrei quase tudo ou quase nada? Tenho a sensação frustrante de que não me conheceste e o sabor amargo na boca de que talvez não me tenha deixado ler. Sabes que, de tanta pancada que levamos, endurecemos a carapaça e aumentamos o grau de filtragem. Vedamos os buracos e barricamo-nos de todos os repetidos males e dores que já experienciámos e não queremos voltar a sentir. Só deixamos entrar quem queremos. Ou quem nos assalta e apanha desprevenidos.
Tu foste daqueles que decidi deixar entrar. Foste dos escolhidos racionalmente, calculisticamente, matematicamente. Brincámos ao gato e ao rato. Jogámos o inevitável jogo das palavras. E acabei por te ofuscar. Iluminei demais o meu lado cool, despreocupado, racional, masculino. Remeti para as sombras o frágil, o carente, o emotivo, o feminino. A mesma metade de mim que te conquistou com trocadilhos e quebra-cabeças, perdeu-te nos labirintos do desejo, do afecto, do amor. Nãõ conseguiste chegar ao lado de lá. E eu não consegui fazer-to chegar. Quando empurrei a porta emperrada, já tinhas voltado para trás. Foste rápido a desistir. Muito rápido. Demasiado. E, agora, consolo-me com o pensamento de que não terias merecido a minha abertura. Não terias merecido o meu outro lado. Se nem sequer te dispuseste a subir a montanha... Mas sabes que mais? O teu luto, que também deveria ter sido racional, não foi. Tu não entraste mas eu saí. Fiquei aqui. De pé. Sozinha. Perdemos os dois.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Idas e Voltas

Trago-te aqui, bem perto.
Sempre protegido, sempre encoberto.
Guardado do que dói, do que fere, do que machuca.
E, no entanto, não pára a tua busca.
E espreitas, e sais, e foges de mim sem qualquer rasgo de remorso.
E vais.
E dás-te.
E, quando me apercebo, já voltaste.
Ferido, encolhido, escondes-te outra vez em mim.
E pedes-me que finja que não te vi.
Pedes-me que te proteja, que te feche, que te arrume aqui num canto para ninguém te ver.
Pedes-me para te esquecer.
Porque és orgulhoso e não queres que vejam as tuas feridas.
Porque a tua defesa é ignorar as dores escondidas.
Sofres, mas não queres que vejam.
Sangras, mas engoles o sangue do teu sangue, esse sangue que te dá cor, e vida, e alento.
Quando tudo o que querias era mais do mesmo, mais de ti. Num outro corpo, num outro recanto.
Ai, Amor, Amor, não sei se receie mais a hora em que não voltes ou a que voltarás para sempre...